Textos da quarentena 2

A Primavera

  Devo, desde já, avisar o estimado leitor de que a quarentena forçada, a reclusão total dentro das paredes do meu quarto me tem deixado num estado de espírito estranhíssimo. Uma espécie de nervosismo "fin-de-siècle", só que menos interessante, menos poético, menos interessante para a fruição estética. Não é a primeira vez que tenho esta sensação. Sempre gostei de estar em casa, mas não assim. Antes, podia sair quando quisesse, tinha liberdade de o fazer; agora vejo essa liberdade extremamente limitada. No entanto, estas frases que para aqui estou a lançar não importam nada. Vamos ao tema de hoje: a Primavera!
  Acordei cedo hoje. Saí do meu quarto para comer e voltei a trancar-me na minha fortaleza. Peguei no telemóvel, percorri as redes sociais e dei de caras com um artigo do jornal italiano La Repubblica em que se anunciava o início da primavera. Aparentemente, às 03h50 do dia de hoje, o equinócio de Março teve lugar, o que significa que estamos na Primavera - Perséfone terá, portanto, saído do seu cativeiro, ao contrário de mim. O dia de hoje será, por isso, tão comprido como a noite. O problema é que a chegada da Primavera este ano não foi muito auspiciosa...
  Em primeiro lugar, a Primavera não apareceu de modo muito radioso, uma vez que hoje está a chover. Em segundo lugar, apareceu num período conturbado e algo estranho para todos nós, que vivemos num país onde o estado de emergência foi decretado. Um país fantasma, onde só uma parte das pessoas continua a ir trabalhar, ao passo que os outros têm de se barricar em casa contra um vírus recém-descoberto, ainda que eu pense que também é necessário barricarmo-nos do jornalixo e da desinformação que por aí grassa.
  Ainda assim, a chegada da Primavera não deixa de ser um momento belo, associado à renovação da Natureza e à esperança. A comprovar o que digo estão todas as obras de arte que enaltecem este carácter mágico da Primavera. Este ano, a Primavera pode até ter surgido num período algo estranho para nós, mas não nos esqueçamos de que a Natureza não conhece regras humanas nem calendários bem feitinhos. A Natureza vem com toda a sua força, sempre no tempo certo, sempre a seu tempo. Podemos aproveitar e ler uns versos de Alberto Caeiro a este propósito.
  A Primavera chegou hoje e, se não a podemos aproveitar estando na rua, aproveitemo-la simbolicamente. Tentemos incorporar no nosso pensamento aquilo que ela representa: renovação, beleza, esperança, esplendor, luz e magia. Teremos tempo para aproveitar a Primavera, assim que as nossas liberdades deixem de estar restringidas por ordens superiores. A chuva cai, mas as árvores em flor não deixam de ser belas!



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