Textos da quarentena 6

Mulheres no jardim


Femmes au jardin, de Claude Monet
Mulheres no jardim, de Claude Monet


  Não estou no jardim. Não naquele que tu vês. Estava ali à mesma hora, mas estava escondido. Decidiram, por isso, pôr-me de parte. Esquecer-me. Não me sinto triste; afinal, é essa a estética do Impressionismo... O essencial é captar os momentos em toda a sua beleza, em toda a sua magia e em toda a sua luz. Pouco importa se eu estou ou não na composição, visto que não fiz parte da impressão que se queria veicular. 
  No entanto, lembro-me bem desse dia. A Primavera acabara de se instalar. O sol começava a aparecer mais vezes e os dias tornavam-se tépidos e limpos. As flores apareciam, como se pode ver naquela planta por trás da árvore majestosa. O branco dos vestidos confundia-se com o branco das flores e sobressaía ainda mais devido à luz solar. Tudo parecia leve. Só eu é que não me sentia assim. Eu não me sentia mais leve. Talvez me sentisse ligeiramente menos perturbado do que no dia anterior, mas a Primavera não operara um renascimento total no meu ser. Ainda me sentia triste, triste por causa da notícia que havia recebido: os meus pais queriam que regressasse para junto deles. Não queria voltar para casa, muito menos naquela altura em que tudo me parecia correr tão bem. Estava finalmente a habituar-me a viver na casa de um grande pintor, a tornar-me íntimo dele e a aperfeiçoar os meus dotes artísticos. Sabia que não duraria para sempre, mas queria que durasse mais dois ou três meses. 
  Creio que não estava triste apenas por ter de me ir embora. Estava triste por saber que tinha de me preparar para outras batalhas que faziam apelo ao meu intelecto e, sobretudo, às minhas emoções. Não é partir que custa. Partir é pôr um pé à frente do outro, como se fôssemos à procura de flores ou jogássemos às escondidas. O que custa é deixar algo para trás no momento da partida, até porque, por mais que queiramos manter, a todo o custo, aquilo que aquele local nos ofereceu, sabemos que será impossível. Impossível porque o local, as pessoas e tantos outros fatores externos não nos permitem deixá-lo de modo impassível. Alguns não pensam ou não sentem estes momentos como eu, mas aqueles que o fazem conhecem de modo particular a tristeza da despedida. 
  Naturalmente, estava contente com tudo o que havia aprendido e sabia que poderia regressar, nem que demorasse algum tempo. Ainda assim, não estava preparado para ir. Tinha tempo para me preparar; aliás, sabia que ninguém dificultaria a minha ida. O problema é que eu queria continuar a pintar, queria continuar a aprender, queria continuar naquele recanto onde os dias eram passados a pintar, a ler e a pensar. Era o oásis artístico com que sempre havia sonhado e, para um jovem pintor, não havia melhor formação. Por mais que me tentasse focar nos aspetos positivos, sabia que, emocionalmente, me faltava trilhar um caminho que me permitisse ir tranquilo... 
  A pintura foi sempre a minha vocação. Sentia-me grato por ter podido dar livre curso aos meus desejos, mas não sabia qual seria a próxima etapa. Continuaria a trabalhar de acordo com as técnicas que havia adquirido, disso não tinha a menor dúvida. Porém, onde? Em casa dos meus pais? Iria para outra cidade ou para outro atelier mais tarde? As dúvidas acumulavam-se. 
  Pensando bem, não sei se estaria realmente triste. Talvez estivesse pensativo. Sim, pensativo é a palavra certa. Pensava em tudo e não pensava em nada, como se isso me ajudasse. Enquanto estas reflexões ocuparam a minha cabeça, preferi manter-me afastado da cena principal. Todavia, mais tarde, decidi apanhar ar fresco e rodear-me das flores primaveris. 
  Foi isso que fiz. Aproveitei para observar o meu mestre a trabalhar no magnífico quadro que agora podem contemplar. O tempo já passou, nada temam. O momento da despedida foi difícil para mim, mas já se concretizou há muito tempo. Continuo a pintar, mas tenho pena de não pintar com o meu mestre. A vida trouxe-me outras experiências e novas sensações, mas nenhuma apagou a magia da minha temporada ali. O tempo apagou a minha tristeza e agora só a recordo devido a um esforço rememorativo. Agora também é Primavera, mas não tenho jardim. Terei de passear na minha imaginação com a ajuda deste quadro.

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