Textos da quarentena 1

A Beleza Absoluto-Linguística

  Afirma o professor Frederico Lourenço que a beleza absoluta existe e que surgiu sob a forma do latim. Deixarei a confirmação desta hipótese aos que dominam melhor a língua de Tito Lívio do que eu. Ainda assim, não posso deixar de concordar enquanto estudante e grande apaixonado da língua portuguesa, da língua francesa e, desde há 4 meses, da língua italiana. Também sei um pouco de Espanhol, mas percebo mais do que escrevo ou falo.
  Não há, para mim, grandes dúvidas de que o Latim tem de ser a beleza absoluta, caso contrário as línguas latinas não seriam tão belas, tão poéticas, tão elegantes - cada uma à sua maneira. Ainda que os meus conhecimentos explícitos de Latim sejam básicos, não posso dizer que não sei nada de Latim. A minha língua materna é o Português e, ainda que tenha aprendido línguas não latinas ao longo da minha vida, só as latinas me seduziram por completo. 
  Para perceberem onde quero chegar, terei de começar pela primeira língua estrangeira que aprendi: o Inglês. O Inglês é uma língua lindíssima, não tenhamos dúvidas. Seguiu-se, mais tarde, o Espanhol e, no secundário, o Alemão. Não sei se foi por ter aprendido estas línguas no sistema de ensino formal ou não, mas não estudei nenhuma delas na Faculdade. Sou licenciado em Línguas Modernas, mas não quis estudar nem Inglês nem Espanhol nem Alemão. Estudei antes Português e Francês - e é com o Francês que começa esta minha ligação mais íntima às línguas latinas. 
  Tive a sorte de nascer em Portugal, de falar Português, de sentir a língua portuguesa - muitas vezes desconsiderada por aqueles que a falam. Desenganem-se aqueles que afirmam alto e bom som que a língua que falam não é bonita! O Português é tão ou mais bonito do que o Inglês, o Francês ou o Italiano. É só olharem para a ortografia e para as sonoridades magníficas da nossa língua. Ainda assim, creio que a minha aprendizagem do Francês me marcou imenso nesta caminhada de apreciação das línguas românicas. Em primeiro lugar, porque comecei a aprender Francês em modo autodidata aos 16 anos e gostei tanto da língua de Molière que a estudei na Faculdade e fui assistente de Português em França. O Francês moldou um período importante da minha vida - o do fim da adolescência e o início da idade adulta; o início da minha formação intelectual específica que, no meu caso, também foi uma formação linguística. Foi ao aprender esta língua românica que percebi a magia das línguas românicas. Trata-se de uma magia cheia de música, de excentricidades e de caminhos diversos. O caminho que o Latim seguiu é lindíssimo: se compararmos as línguas latinas, encontramos semelhanças, mas também diferenças, que as tornam únicas e particulares. Desengane-se quem pensa que o Latim está morto: enquanto as línguas que dele derivaram não morrerem, o Latim nunca estará sepultado. "Vita brevis, ars longa". 

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  Foi no final de 2019 que me decidi a estudar outra língua latina: o Italiano. A ideia surgiu devagar, como todas surgem, até que peguei num caderno e procurei material para meter mãos à obra. O meu mergulho no Italiano é ainda recente e, no entanto, tenho aprendido extremamente rápido. Com uma estrutura gramatical, a meu ver, muito próxima do Francês e com imenso vocabulário parecido ao Português, esta língua fez-me ver que, realmente, os frutos do Latim são deliciosos. O meu estudo pessoal e as minhas aulas de Italiano fizeram-me ver de que forma o Português, o Francês, o Italiano (e até mesmo o próprio Espanhol) se cruzaram e entrecruzaram. São línguas diferentes, filhas da mesma mãe, mas subjaz a cada uma delas uma mentalidade e uma cultura distintas, marcadas pela História, pela cultura e pelos contactos linguísticos de cada uma.
  Se tivesse de caracterizar, de modo subjetivo, o que sinto pelas três línguas às quais dei lugar de protagonista neste texto, diria que o Português é magnífico pela multiplicidade de sons (sobretudo os nasais) e pela imagética da língua. O Português é uma língua que cheira a mar, que cheira a sol, que cheira ao sul da Europa e que cheira também a fatalismo. O Francês possui uma elegância incontestável. A ausência de acento tónico confere-lhe um lado melodioso e requintado, a roçar o snobismo, por vezes. Ainda assim, o Francês tem um lado particular, uma vez que, sendo uma língua latina, parece um pouco menos "latina" do que as que lhe são vizinhas (Português, Espanhol e Italiano), mas creio que é uma questão não só geográfica, mas sobretudo cultural. Por fim, para definir o Italiano, diria que tem uma sonoridade única - uma verdadeira sonoridade de ópera. O Italiano é tão elegante como o Francês e tão airoso como o Português. 
  Agora que aqui chegámos, a pergunta a que devo tentar responder é: então e o Inglês? E o Alemão? E o Espanhol? O que pensas das línguas que aprendeste na escola? No que diz respeito ao Inglês, devo dizer que gosto bastante da língua. É uma língua germânica extremamente melódica, com sons muito bonitos, mas não esqueçamos que um terço do vocabulário inglês provém do Latim e um outro terço do Francês. A estrutura gramatical é obviamente germânica, mas foi adoçada pelos empréstimos de origem latina e, sobretudo, pela sua própria evolução. Passando ao Alemão, e ainda que fosse excelente aluno em Alemão, creio que esta língua não me marcou tão profundamente como se poderia esperar. A cultura alemã nunca me seduziu muito (o lado cultural conta muito para mim numa língua), ainda que a língua alemã seja desafiante. Desafiante pelas suas regras gramaticais diferentes das latinas e pela sua estrutura lógica. O caso do Espanhol é um pouco complexo para mim. É uma língua latina, também ela bastante bonita; porém, não me agrada tanto como as restantes línguas latinas. Será algo cultural, entranhado na história de Portugal? Ou será que é porque acho os sons castelhanos menos doces do que os portugueses? As respostas podem ser múltiplas e peço desde já desculpa aos estudantes e apaixonados pela língua espanhola. Ainda assim, reitero o que disse antes: é uma língua românica tão bela como as outras. 
  As línguas românicas não se resumem àquelas que eu sei, ou ao cliché escolar do "Português, Espanhol, Francês, Italiano e Romeno" (também o Romeno é uma língua muito interessante pelas influências eslavas!). Há línguas neolatinas das quais raramente se fala: o Catalão, o Provençal, o Mirandês, o Galego, o Lombardo, o Piemontês, etc. Se as pudesse aprender todas, fá-lo-ia sem hesitar, mas tenho de levar um dia de cada vez - "carpe diem". Também é interessante notar que é a complexidade gramatical destas línguas que faz com que goste delas. São as irregularidades e as exceções que dão sabor a cada um destes frutos do Latim.
  Com isto tudo, só posso dizer que o Latim tem realmente tudo para se poder classificar como beleza absoluta. Fiz uns parcos 3 meses de Latim na Faculdade que decidi retomar agora que estou de quarentena. Espero continuar a ver essa beleza absoluta da língua latina à medida que continuar a rever e a aprofundar os meus conhecimentos na língua de Séneca. 

[PS: Este texto não tem nenhuma pretensão de ser, digamos, científico. Trata-se de uma reflexão inteiramente pessoal em torno de línguas que conheço, com mais ou menos profundidade. Como reflexão pessoal, nada mais é senão o meu olhar particular, assente no meu estudo, nas minhas reflexões e nas minhas ideias acerca do assunto, e não pretende servir de modelo ao pensamento de outrem.]


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