Poema



Deixo que a claridade me cegue. 
Não adianta lutar contra ela, berrar, revoltar-me, 
Assim é, assim a aceito. 

Maio chegou e, com ele, uma claridade feroz
Uma claridade que nos atinge a nós.
Todos. 
Todos a recebem, todos são encadeados por ela 
Não adianta escaparmos como uma ferida gazela... 

O branco queirosiano das casas refulgentes, 
A seiva bruta das plantas, 
O cheiro do campo e do dourado Sol, 
A minha cabeça e os meus olhos tão cansados quanto fascinados. 

Amo esta luz que me fere. 
Talvez a ame por minha não ser, 
Por ter de a aceitar. 
Aceito-a como aceito o absurdo do mundo: 
às vezes esperneio contra ele, mas 
não adianta. 

Hoje o dia é de sol, 
Talvez a chuva venha aí um dia destes... 
Talvez... 
Perco-me nestas conversas dubitativas
de uma época dubitativa. 

Amanhã hei de acordar (porventura) 
E ver o dia que se ergue contra a minha insignificância 
E hei de o aceitar, nem que seja à força
porque assim se nos mostra o mundo... 

Se houver uma luz brilhante, 
Que me cegue e me fira, 
Nada mais tenho a fazer senão suportá-la. 

Engraçado como levei anos a acatar esta máxima... 
E ainda assim não sei se a acato, se a compreendo. 
De que me vale a compreensão quando o universo lhe cospe em cima? 

Não fecho os estores: devo habituar-me à luz
Devíamos todos. 


17 de maio de 2020

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