Adeus

Passear nas minhas ruínas

  Quando vivia em Rouen, costumava ir, aos domingos, ao "Jardin des Plantes". Talvez não fosse todos os domingos, mas ia lá muitas vezes quando o tédio domingueiro se apoderava de mim e o ar fresco era o único bálsamo disponível. Mentiria se dissesse que é o mais belo parque que vi em toda a minha vida, mas era agradável. Era agradável sobretudo porque eu estava lá, naquela bela cidade que me acolheu. Uma cidade bonita, com cores medievais e oitocentistas, ainda que o seu clima nem sempre me fizesse sorrir. 
  Tenho saudades desses domingos em que o tédio me inspirava sentimentos ora de tristeza ora de solidão. Como é possível sentir falta de algo assim? Creio que sinto falta do que esses momentos representam porque eles me representam. Representam uma parte de mim que ficará para sempre em França. Mesmo que um dia volte a passar por lá - assim o espero! -, as coisas não serão idênticas. Eu já não serei o mesmo e aquilo que Rouen tiver guardado de mim já não me será como foi. 
  Nesses pequenos passeios pelo parque - passeios absolutamente banais, sem nada de poético -, ficava em contacto comigo mesmo. Procurava ouvir as profundezas do meu ser, como escreveria Proust. Caminhava para afastar o tédio e também para o conhecer, para explorar em mim as minhas ruínas, com todas as memórias, reminiscências e dores que fazem de mim um mero recetáculo de sentimentos e de sensações.
  Tenho saudades das casas normandas, das pessoas brilhantes que lá conheci, das exposições que visitei, dos meus passeios em Rouen e em Paris, de toda a novidade que me veio parar às mãos. Tenho saudades de todos os momentos - até dos menos bons. Quase me poderia comparar hoje ao sujeito poético de Aniversário; não que o meu aniversário importe para o caso, mas porque me sinto como ele. Sinto que perdi algo de mim e que o deixei ir-se embora na doce Normandia. 

  "Quando era assistente, dava, por vezes, passeios aos domingos"

  Poderia adaptar o poema de Álvaro de Campos começando por este verso. A conclusão seria a mesma também: já não sou assistente de Português, já não dou passeios naquele parque aos domingos e não voltarei a dar, mesmo que lá volte. Também Álvaro de Campos nos narra a aflição das gares, a dor das despedidas e das mudanças. Fui, passei por lá e lá deixei um pouco de mim. 
  Já não dou aqueles passeios aos domingos e, no tempo em que os dava, até o tédio me sabia a felicidade, ou talvez saiba agora porque a memória é fã da romantização do passado. De um passado que se foi e que está plasmado em mim naquilo que eu passei a ser. Agora resta-me a minha solidão e os hábitos regulares de uma vida a que me tinha desabituado. A verdade é que ninguém nos devolve as horas passadas e eu teimo em não interiorizar esta lição... 

  Adeus.




Comentários

Mensagens populares deste blogue

Filmes

Problemas de pessoas altas

E agora?