Assistente de português

Ser Assistente


  Há muito tempo que não venho aqui... Na realidade, já há algum tempo que não escrevo. Vou sempre escrevendo, mas hoje trago um tema especial: a minha experiência enquanto assistente de Português em Rouen, França. Amanhã regresso a Portugal para as minhas férias de Natal e, para mim, é como se a primeira parte desta experiência já estivesse concluída. Chegou a hora de a partilhar com o mundo. 

1 - O que é ser assistente? 

  Ser assistente de língua é um projeto de "France Éducation  International" que permite a nativos de língua portuguesa, espanhola, alemã, inglesa, chinesa e árabe trabalhar em França, em escolas públicas (no ensino primário, básico ou secundário). Obviamente, nativos da língua francesa podem também decidir ser assistentes de francês num país com o qual haja este protocolo - como é o caso de Portugal. 
   No meu caso, a minha missão consiste em ajudar e dinamizar as aulas de Português nas 3 escolas onde trabalho, o que quer dizer que trabalho com 3 professores - os professores "titulares" desta disciplina. Como trabalho em 3 escolas, conheço várias turmas e, para simplificar, vou apenas dizer que faço mais ou menos 1 dia para cada escola e que passo 1 hora por semana com cada turma. Uma vez que trabalho 12 horas por semana, isso quer dizer que trabalho com 12 turmas por semana. A maior parte dos alunos com quem trabalho estão no ensino básico (mais especificamente, entre o 6º e o 9º anos). 

2 - Trabalhar em 3 escolas... 

  Quando soube, em julho, que iria trabalhar em 3 escolas, fiquei um pouco assustado. Sabia quantas horas iria trabalhar em cada escola, mas não sabia nada sobre os meus horários. Na realidade, tudo se resolveu facilmente. Os professores de Português, muito poucos na região, conhecem-se todos e conseguiram fazer um horário bastante prático para mim. Só para terem uma ideia, apenas há 5 (acho...) professores de português em Rouen e só há 1 assistente de português  - eu mesmo!
  Trabalhar em 3 escolas consegue ser um pouco complicado, sobretudo ao início. Conheci muito mais do que 12 turmas (umas 17 ou 18), mas, por semana, vejo sempre 12. São 12 grupos muito diferentes, tanto em termos de faixa etária, como em termos de trabalho/gosto pelo português ou até em termos sócio-culturais/económicos. Ao início, sempre que os professores me pediam uma apresentação/uma aula relacionada com o tema X, ficava sempre na dúvida sobre se a aula correria bem ou não. Com o tempo, comecei a perceber o que funcionava com a turma A e não com a B de uma forma natural, mas também com a ajuda dos professores. 
  Na verdade, o facto de conhecer 3 escolas, situadas em locais diferentes, onde os alunos vêm de meios sócio-económicos distintos, obrigou-me a ser flexível, a saber adaptar-me. Também me ensinou que ser professor é, no fundo, planear aulas/atividades sem nunca se ter a certeza de nada. Será que isto vai funcionar? - esta é a minha nova questão "existencial". Eu nunca tenho a certeza, mas apercebi-me de que os próprios professores também não, ainda que os vários anos de experiência deles lhes permitam atuar melhor e mais rapidamente do que eu. 

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3 - Turmas complicadas 

  Sempre existiram e sempre existirão. Naturalmente, também trabalho com 2 ou 3 turmas mais complicadas, seja a nível de comportamento ou de motivação. Porém, quando digo que trabalho com alunos do "3º ciclo", muitas pessoas me dizem: "ai boa sorte!" ou "ai não queria nada!"... Percebo o que querem dizer, mas não é assim tão mau. De todo. 
  Ok, é verdade que os adolescentes são complicados, mas confessemos de uma vez por todas: todos nós já fomos adolescentes, todos nós já tivemos comportamentos mais ou menos semelhantes. O público do secundário é considerado mais maduro, mais simpático. Porém, os alunos do básico participam muito mais e têm menos medo de participar (embora haja exceções). Convém dizer, mesmo assim, que, geralmente, os alunos do secundário já trabalham mais e já percebem melhor a importância de aprender uma língua estrangeira. Para os alunos do collège, a língua estrangeira é um jogo - interessante para uns, chato para outros -, mas ao qual nem sempre dão o valor necessário. É normal tendo em conta a idade, bem vistas as coisas. 
  No que diz respeito às turmas complicadas, há sempre turmas que nos dão vontade de não fazer nada de especial e de não lhes dar aulas. Com o tempo, aprendi, no caso de algumas turmas, que não adianta chatear-me, passar sermões ou ameaçar. Fico em silêncio enquanto não me deixam continuar a aula e depois prossigo. Tem sido a melhor estratégia! 

4 - Línguas... 

  Desde que comecei a estudar francês que me apaixonei pela língua em que escreveram Hugo e Molière. Evoluí rapidamente na Faculdade porque tinha imensa vontade de falar, ler e discutir em francês. Cheguei a França com bastantes conhecimentos, mas nada nos prepara para o cansaço de ter de falar duas línguas (às vezes mais!!!) num só dia. 
  No início, sentia-me bastante cansado ao fim do dia por ter falado a maior parte do tempo em francês e só um bocadinho em português com os professores ou com os alunos. Evidentemente, esse cansaço intenso dos primeiros tempos dissipa-se e o nosso cérebro habitua-se, começando a associar as línguas a certas ações e a certos contextos. 
  Felizmente, não tenho tendência a confundir línguas, mas já me aconteceu dizer em plena sala de aula "Perguntaram-me o que é que eu queria fazer com os élèves". Escusado será dizer que eu, os alunos e o professor rimos muito. Porém, agora percebo o que certas pessoas me tinham dito em relação a esta questão... 
  Não sei como funciona o nosso cérebro, mas já na Faculdade me acontecia sair das aulas, ou acabar de ler uma página em francês, e pensar em francês. O que me acontecia antes naturalmente e em certos momentos tornou-se, agora, a regra. Dou por mim a acordar e a pensar em francês. A estar no meio da rua a pensar em francês. Por vezes, chateio-me comigo mesmo, mas, segundo Antonio Tabucchi, se uma língua estrangeira chegou ao nosso inconsciente, isso significa que temos uma relação forte com ela. 

5 - Independência e liberdade

  Os primeiros dias num país estrangeiro conseguem ser stressantes. É preciso comprar comida, tratar do passe do metro, conhecer professores, ir a escolas e organizar papéis - tudo isto sempre a falar num idioma estrangeiro. Entretanto, tudo isso se dissipa e aquilo que nos pareceu complicado torna-se, quase sem nos apercebermos, mais do que normal. 
  Contudo, nunca na minha vida tinha sentido a liberdade de uma maneira tão especial como aqui. De repente, estava só, mas isso fez-me sentir livre, cheio de autonomia, ainda que o nervosismo também tenha aflorado em certas ocasiões. Essa sensação de liberdade fez-me reviver, de certa forma.  De repente, estamos longe de tudo - do bom, claro, mas, sobretudo, do mau. Deixamos, nem que seja só por um momento, as amarguras e as complicações para trás. É uma sensação indescritível. Conheci Rouen e olhei para esta cidade com um sensação de liberdade pura. A cidade encanta-me, mas sei que parte desse encanto é também interior e subjetivo. 



6 - Amizades, encontros, experiências

  Lembro-me tão bem de, no final da minha primeira semana, me sentir sozinho, sem amigos aqui. Tinha conhecido outros assistentes na "Journée d'Accueil", mas foram poucos. Tinha conhecido outra assistente (de espanhol) na minha escola principal, mas era só isso, até que convidei essa assistente de espanhol - a minha Brenda - para ir ao museu. Apareceu acompanhada pela Carolina e, nesse dia, sem o sabermos, selou-se uma amizade. Tornámo-nos amigos assim, numa tarde repleta de felicidade e de peripécias. 
  Entretanto, conheci mais assistentes (de espanhol, alemão, italiano, inglês...), cruzei-me com mais professores, vivi novas experiências e esse sentimento de solidão dos primeiros dias desapareceu por completo. Não que a solidão seja nefasta, na minha opinião, mas viver em completo isolamento não é benéfico... 

7 - Novos Desafios 

  Decidi também lançar-me um novo desafio: aprender Italiano. Há uns anos, a língua italiana não me dizia muito. Achava-a bonita, sim, mas era só isso. Talvez estivesse "demasiado" concentrado no Francês e, por um lado, ainda bem que assim foi! Este ano, porém, comecei a ouvir falar da língua italiana várias vezes. No início do ano, vi uma série italiana na RTP2 e cruzei-me com vários italianos na Faculdade. Depois, a partir do momento em que cheguei a França, soube que a filha da minha senhoria tinha vivido em Itália e que o namorado dela era italiano. Com o tempo, comecei a pensar: e se...? 
  Um dia, pus mãos à obra. Comecei a aprender francês em modo autodidata aos 16 anos; não seria, portanto, a primeira vez. Comecei a aprender em casa, a ver vídeos sobre a pronúncia, os artigos, os verbos, as coisas mais básicas, até que comecei a dar-me bem com Irene (assistente de italiano) que me disse: Eu posso dar-te aulas! Agora fazemos uma parceria: ela ensina-me italiano e eu ensino-lhe português. O facto de ter aprendido francês está a ser uma mais valia na aprendizagem do italiano, uma vez que certas estruturas e algum vocabulário remetem para o francês, ao passo que há outros aspetos que são mais próximos do português.

8 - A minha experiência até agora... 

  Até agora, a experiência está a ser muito boa. Tenho a oportunidade de trabalhar com bons professores de Português e também com alunos de várias idades - todos eles diferentes. Além disso, tenho a possibilidade de viver num país cuja língua e cultura me fascinam já há algum tempo!
  Trabalhar como assistente e ser um trabalhador remunerado pela primeira vez é também uma experiência nova e muito boa. Não ganho imenso dinheiro, mas tenho tudo aquilo de que preciso. Passei 3 anos da minha vida na Faculdade e, ainda que tenha gostado muito do que aprendi, tinha, em comparação, muitas horas de aulas, n afazeres fora da Faculdade, stresses pessoais, familiares, etc a toda a hora. Agora trabalho 12 horas, tenho tempo para preparar as aulas, para estudar Italiano, para ler, para estar com outros assistentes. Creio que já precisava disto na minha vida há algum tempo e será, certamente, difícil dizer adeus a tudo o que esta experiência me trouxe de bom. 
  Honestamente, no final deste programa, sei que não serei a mesma pessoa. Aliás, já não sou o mesmo. Mudei em muitas coisas, mas a metamorfose ainda não acabou e, para dizer a verdade, ainda não sei ao certo como mudei. Porém, posso afirmar que não tenho medo desta metamorfose. Acho que ela era mais do que necessária, ainda que os prognósticos só se devam fazer no final do jogo... 

Até breve, 

Nuno Neves.




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