Espírito de Verão
A Memória de (me) Imaginar
Pegar nos tachos,
nas colheres e nos pratos. Agarrar uma cebola, picá-la bem picadinha para lhe
sugar a essência minutos mais tarde. Selecionar a quantidade de massa
necessária para o jantar. Colocar o tacho da massa ao lume, cheio de água e
sal. Fazer um refugado com a cebola já cortada, adicionar azeite e polpa de
tomate. Abrir a lata de atum à pressa, como se o tempo me fugisse das mãos, e
fazer deslizar o conteúdo daquela lata para dentro do tacho onde o refugado
prontamente o esperava.
Acabar de cozer a
massa. Sentir o vapor queimar-me as mãos e aquecer-me o espírito. Abrir a porta
da varanda para deixar entrar o ar.
Parar.
E sentir o vento.
O vento que me envolve e embala, enquanto a música me explode nos ouvidos e
sinto as minhas pernas a dançar enquanto vou tratando da comida. Imaginar-me
numa casa de Verão, sozinho, sem ninguém a perturbar a minha ataraxia, longe de
todos.
Voar para uma
casa no campo no norte de Portugal. Ouvir os pássaros na rua, a chilrearem,
enquanto a comida brota das minhas mãos de escrita.
Voltar ao Verão passado. Sentar-me no terraço de casa, colocar uma cadeira lá fora. Pegar n’Os Miseráveis e entrar num outro mundo. Ser conduzido por Victor Hugo pelos meandros da França do século XIX. Respirar fundo e esquecer-me dos outros. Entrar em casa só à hora de jantar, com a alma embriagada de romances e de histórias.
Reviver o dia de ontem na minha imaginação. Beijar o sol que me queima o corpo na totalidade. Entrar na água fria, cheio de medo. Sair dez minutos depois por não querer mais o frio. Ler em voz alta um livro sobre um médico alemão a passar férias na Itália. Comprar batatas fritas e devorá-las com sofreguidão. Correr para o autocarro a falar sobre o futuro. Entrar no autocarro com vontade de partir para nunca mais me voltar. Deixar que o vento entre em mim. Sentir-me um turista no meu país. Ser levado a viver nos subúrbios desta cidade. Ver o sol a fugir por entre as árvores que me parecem acenar do outro lado da rua.
Beber champanhe gelado no topo da torre Eiffel. Passar os dias a falar Francês e a comer deliciosos bolos nos cafés típicos. Imaginar-me a percorrer os boulevards e a cantar dentro de mim a Marselhesa. Sair do meu canto e perder-me nos lugares de que falou Victor Hugo. Recordar a vila de infância enquanto passo ao lado de restaurantes atolados de homens e mulheres de negócios.
Voltar a casa.
Entrar dentro da casa, cheirar os lençóis de linho, ver a comida da mamã e
reviver. Sentir a essência refluir a mim mesmo. Ver o terraço onde tantas horas
passava a ler no Verão e sentar-me lá. Ficar sozinho na noite, a ser engolido
pelo matagal e pelas cores do céu.
Viver em paz.
Regressar a mim. Sentir o Verão a tocar-me nos nervos. Ser queimado pelo fogo
do sol. Mergulhar no rio do ser. Ver aqueles que me eram amigos. Olhar para as
luzes que se refletem nos vidros. Ser feliz e desejar que o Verão me seja.
(PS: Criei uma página para o meu blog no Facebook. Cliquem aqui. Obrigado pela vossa atenção!)
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