Chega de Estar
O sol entra pelas minhas janelas e invade todo o espaço
da minha casa, enquanto eu o deixo entrar em mim. Deixo-o, na verdade,
infiltrar-se na minha pele como se o meu sangue fosse feito de finos raios
solares.
Decido acabar com
os dias tristes que estão alojados na minha corrente sanguínea. Ponho fim às inseguranças,
às tristezas e às desilusões tão constantes e substituo-as pela vida oriunda
dos dias de sol brilhante. Não consigo mais estar triste enquanto sinto esta
luz dourada a penetrar o meu ser.
Largo as
vicissitudes. Largo a amargura. Largo quem sou nos dias tristes e extenuantes.
Saio de mim mesmo. Arranco o meu sangue e troco-o por quem realmente deveria
ser. Abro a janela e esqueço que tenho um rosto e que sou alguém. O sol toma
conta da minha face, os meus olhos esquecem-se do castanho e tornam-se azuis
como o céu que me toca no interior. No meu âmago. O vento é o meu cabelo. E todo eu
sou o próprio dia de sol.
Como manter esta
apatia, esta tristeza, este nervosismo? Como viver assim? Como posso eu
deixar-me vencer pelo maldito cansaço, pelo horroroso nervosismo, pelas
lágrimas que não derramo, mas que estão dentro da minha voz?
Não posso viver
assim, porque eu sou um dia de sol. Eu sou o sol. Sou o vento. Sou o céu. Sou
tudo aquilo que a energia destes dias abençoados por algum ente superior me faz
ser. E nem quando os dias ficam tristes e o sol, como que intimidado, se põe
atrás das nuvens, eu deixo de ser quem eu realmente sou. Sou a energia e
esqueci-me. Esqueci-me, mas recordei-me.
Hoje
verdadeiramente recordei-me. Recordei-me porque me esqueci que sou um monte de
ossos, um esqueleto cheio de manias, de obsessões e de inseguranças. Lembrei-me
hoje, ao sentir-me o sol, que sou matéria etérea. Sou o espaço
cósmico em harmonia quando o sol me queima as faces como se me beijasse até eu
me esquecer de que sou humano.
Tantas vidas
mergulhadas na morte dos dias, tantos anos que passam sem que nada fique e eu a
deixar-me enganar por essas malditas coisas que nada mais são do que matéria
para o esquecimento! Não posso mais não deitar fora, gritando a plenos pulmões,
a energia que sou e que serei sempre. Não posso mais fingir que pertenço à
noite das trevas quando me encontro apaixonado pelo sol que se ergue a cada dia
para me dizer que sou a pureza e a positividade. Não consigo mais engolir sapos
e ranger os dentes. Não posso ser quem nunca me quis ser. Sei lá eu fingir!
Ergo-me, enfim,
do fundo de mim e grito para sempre internamente que me hei de reerguer com
esta força, esta energia, esta vivacidade que são as minhas veias. Hei sempre
de substituir esta pulsante corrente sanguínea pelos raios solares…
Vejo-me hoje
verdadeiramente. Verdadeiramente me vejo hoje. Verdadeiramente me sei. Verdadeiramente
me sei não mentir. Oh! Chega de estar. Nunca soube deixar de ser!
Nuno Neves
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